OS CHINESES ESTÃO CHEGANDO: A COMIDA EM SALVADOR


  Uma das características da formação histórico-social da Bahia foi a ausência de grandes fluxos migratórios internacionais. Talvez isso tenha uma conexão com a parca bibliografia sobre a temática. Mas, pensar dessa forma, seria não entender os diversos vetores, sobretudo os “podres poderes” de grupos na Academia e as linhas de financiamento, que imprimem valor a determinadas temáticas. O produzido sobre os estrangeiros não é vasto, mas existe, pois alguns grupos, apesar do seu escasso impacto demográfico, sempre tiveram repercussão econômica e social sobre a vida dos baianos, em especial na cidade de Salvador, no antigo Recôncavo e interior do estado. Ingleses, alemães, portugueses, espanhóis (galegos), japoneses, italianos, fizeram e fazem parte da nossa baianidade.
   Os chineses se constituem em um caso à parte, na medida em que apenas uns poucos começaram a chegar em Salvador a partir da década de 60 do século XX. Entretanto, a partir do século XXI ocorreu, de certa forma, um fenômeno inesperado: uma “invasão” chinesa no centro comercial antigo da “cidade alta”.  Portanto, foi com alegria que recebi a tese de Ana Claudia de Sá Teles Minnaert, denominada O Dendê no Wok[1]: um olhar antropológico sobre a comida chinesa em Salvador, realizada na Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia. Alegria, pela saudável convivência como seu orientador, assim como pelos resultados do seu trabalho.
  Começa com a utilização de ampla e atualizada bibliografia, majoritariamente internacional, esboçando uma história da China e a sua conexão com a alimentação. Após, concede ênfase aos processos migratórios e a especificidade das diversas diásporas chinesas, assim como as variadas adaptações em torno das suas cozinhas. Ganha realce no caso em questão, o seu trabalho de campo no Peru, onde se localiza o grande Barrio Chino, provavelmente o segundo maior bairro chinês das Américas, superado apenas por Nova York, embora as chifas[2], estejam espalhadas por toda a cidade de Lima. Fundamental, do ponto de vista comparativo com Salvador, na medida em que é uma chinatown, marcando a sua chinesidade, além de ter uma culinária mesclada com a peruana.
  Na sua abordagem da  presença chinesa em Salvador, aponta as transformações urbanísticas e desvalorização da “cidade alta”, local que viria ser ocupado pelos chineses, mas de forma esparsa, longe do conceito de chinatown.  Originários em sua maioria da República Popular da China, em especial de Cantão, seguidos pelos imigrantes de Taiwan, sendo os vindos de Hong Kong o grupo minoritário. Embora a Policia Federal aponte a presença em Salvador de 392 chineses, eles são numericamente muito mais, por variados motivos. A autora esboça um quadro da composição do grupo: família, gênero, gerações e tantos outros aspectos da presença dos chineses em Salvador.
   Após, aborda a presença da comida chinesa em Salvador, os primeiros restaurantes  na cidade, a partir da década de 60 no século 20, e as flagrantes distinções em relação aos restaurantes que os chineses abriram no centro da cidade. Esta segunda geração que em grande parte chega após 1980, por variados motivos, optaram pelos restaurantes populares de comida a peso, com o predomínio da cozinha local. Muito mais que manter sua chinesidade, viram os negócios na área de alimentação como uma alternativa para  ascender economicamente. Já os tradicionais restaurantes chineses, os pouco que se mantiveram, com a concorrência japonesa, passaram a dizer-se asiáticos ou orientais, servindo também comida japonesa. Na realidade, a tentativa de se manter a cozinha chinesa se dá no âmbito da família, sendo uma marca da sua identidade. Dizem que a sua comida é no  jantar, onde há a soja, o arroz, os vegetais ao vapor ou salteados no wok, temperados com gengibre, alho, molho de soja, Ajinomoto ou pasta de feijão. Porém, até quando essa cozinha se manterá é uma incógnita, na medida em que muitos jovens já tem preferência pela cozinha local. Enfim, é o dendê entrando no wok.
  Muito pouco disse sobre a tese de Ana Claudia, mas espero que seja uma sugestão para futuros leitores conhecerem um pouco da história da China, da sua comida e dos seus desdobramentos em Salvador. Espero que, com adaptações, cedo se transforme em livro. E com todo merecimento.           



[1] É um tacho ou panela considerado utensilio básico da culinária asiática.
[2] Restaurante especializado na preparação de comidas chinesas. A sua tradução seria “comer arroz”.

Postagens mais visitadas